Apesar de não serem a “cara do movimento”, os homens negros também se preocupam com moda, e influenciam cada vez mais o mercado com sua maneira de se expressar
A moda tem o grande potencial de vestir pessoas de autoestima, personalidade e significados construídos por cada um de nós. A maneira que nos vestimos tem, muitas vezes, influência direta dos criadores que trabalham na indústria da moda, e ela expressa quem somos, através das roupas.
O jeito que cada pessoa se veste diz muito sobre o local dela na sociedade, a mensagem que ela quer passar, cada grupo e subgrupo que ela integra, a cultura de onde se origina e muito mais. Entretanto, a indústria da moda ainda é bastante eurocêntrica, pois, diante da lógica mercadológica que a moda possui, prioriza-se uma visão dos criadores da Europa.
No artigo publicado no site Repete Roupa, pela pesquisadora Melody Erlea, é possível entender o processo de negligenciamento da maneira que povos negros se vestiam a partir da colonização. Ela explica que ao serem escravizados, negros eram obrigados a se desfazerem das suas referências culturais, e usarem trapos uniformizados para esvaziar suas essências e individualidades.
Pesquisando a história da moda masculina, é muito comum encontrar apenas nomes de homens brancos, que vão desde Júlio César, no império romano, passando pelo movimento do Renascimento, e até Bryan Brummell, alfaiate ligado à corte francesa, no século XIX. Mais tarde, com a cultura pop estadunidense, os atores James Dean e Marlon Brando, o cantor Elvis Presley, os Beatles foram todos considerados ícones fashion.
De lá para cá, houve alguns homens negros tentando se adequar às vestimentas de uma cultura caucasiana, como forma de buscar aceitação externa. Inclusive, muitos ícones fashion negros que se destacaram usando adereços que remetem à estética do homem branco monarca, como o cantor norte-ameriano Prince e o guitarrista Jimi Hendrix, considerados “dandies” de suas épocas, que são homens estilosos lidos como “cavalheiros”.
Temas ligados à moda, muitas vezes, são voltados apenas para mulheres. No entanto, na contemporaneidade, a luta por espaço e a internet ajudaram decentralizar os debates e trazer visibilidade à diversidade de estilos usados por homens negros, que vão desde a alta costura até a estética das periferias.
Durante a evolução da moda, homens foram assumindo estéticas mais “sóbrias”, com pouco espaço para criatividade ao deixar para trás as cores, as túnicas e as silhuetas marcadas, por exemplo. Já as mulheres (brancas) tornaram-se o maior foco do mercado.
A indústria da moda
Atualmente, enquanto grandes revistas de moda colocam pessoas negras em suas capas para, esporadicamente, tentar se desvencilhar das décadas de apagamento, como afirma a jornalista Fabiana Moraes, jovens usam as redes sociais para jogar luz na moda criada por pessoas negras.
No Brasil, o fashion creator Cesar Nascimento (@nascimence) usa seu instagram e TikTok, para levar aos seus mais de 46 mil seguidores, somados nas duas redes, informações sobre moda e estilo, evidenciando conteúdos e criações de homens e mulheres negras. “É importante evidenciar e compartilhar o trabalho de estilistas, produtores e stylists pretos no meu perfil, principalmente por serem inspiração direta para o que me tornei hoje”, diz ele.
Segundo Cesar, a maioria das pessoas pretas no mercado da moda, começam de forma independente e sem grandes financiamentos. “A indústria da moda, por mais triste que pareça, é conhecida por ser majoritariamente branca e elitizada, os espaços são dados a homens brancos que dirigem grandes casas de moda”, explica.
“Só agora essa indústria está abrindo os olhos para tantos talentos, como os meninos da Dendezeiro e Will Cypriano”, conta o criador. “O original, ancestral e periférico tem tanta cultura que entrega coleções melhores que qualquer marca internacional que vemos por aqui. A moda brasileira e preta precisa ser valorizada porque também conta história de vida e enriquece a cultura”.
A impacto social da moda
No final, a moda representa diferentes coisas para pessoas diferentes. Para Thomas Laranda, modelo recifense, de 22 anos, a moda o ajuda a expressar sua personalidade. “Eu, sendo um homem negro, sinto mais necessidade de mostrar essa expressão e identidade. E assim, observo a impressão que vou deixar, o desconforto que posso causar ou a inspiração que posso ser”, diz ele.
Israel Paixão também é modelo recifense e percebe na moda, uma oportunidade de manifestar quem ele é. “Vejo ela (a moda) como um modo de viver e de se mostrar ao mundo, a moda me ajuda a expressar sentimentos, emoções e através dela consigo viver bem, sempre levantando a minha autoestima”, comenta.
Durante as década de 80 e 90, o estilista Nova Iorquino Dapper Dan, enxergou não só uma tendência de mercado ignorada pelas grandes marcas, mas também uma população – de homens negros – com poder de compra e uma identidade própria. Dan, então, lançou conjuntos de roupas com as logomarcas de grandes grifes europeias, como Louis Vuitton e Prada, que influenciam, até hoje, muitas pessoas no meio do hip-hop.
Longe do Harlem, o Brasil também tem criadores que usam a criatividade para fazerem das favelas um local de descentralização da moda normalmente eurocêntrica. Projetos como o Desfile Estética Favelista, no Recife, voltada para homens e mulheres; e a Coleção Favela, em Belo Horizonte, criada por um homem preto, são exemplos de movimentações independentes que evidenciam o caráter fashionista das favelas e enaltece a autenticidade das vestimentas de homens e mulheres negras no Brasil.
Cesar explica ainda outro fenômeno: a recente valorização das camisas de times de futebol, muito comum entre homens das periferias, que tem se tornado símbolo da moda brasileira. “A periferia já tinha a estética conhecida como ‘cria’ durante anos e sempre foi marginalizada, até chegar nos gringos e virar pauta para revista elitizada viralizar como tendencia. Vimos isso com as Havaianas, Kenner, Bandanas e recentemente as camisas de time que ganharam um nome de estética block core”, expõe.
“Hoje, somos bem representados por conta de uma comunidade forte que faz questão que nossa história continue sendo contada através do estilo que apresentamos. Aqui no Brasil, o rap e o funk fizeram uma mudança com uma adaptação cultural para que o homem preto conseguisse montar uma estética que lembrasse ancestralidade e identidade”, finaliza o designer de moda.