Muitas pessoas acreditam que o futebol é a única forma de profissionalização de homens negros

Profissão de negro é a profissão que o negro quiser ser

Nem todo menino preto sonha em ser jogador de futebol; Adultos precisam aprender que a perspectiva dos jovens vai além de uma vida voltada para a incerteza de uma carreira de sucesso através do esporte.

“O que te impede de acreditar que você é realmente do tamanho do seu sonho?”. A pergunta feita por Emicida na introdução da canção “É Como Um Sonho” pode ser facilmente respondida com “falta de representatividade”. Meninos negros no Brasil crescem escutando que podem ser grandes atletas – mais especificamente jogadores de futebol – e assim, desestimulados a sonhar com outros futuros.

Crescer preto é crescer com várias expectativas em cima de você. E as cobranças externas, às vezes, geram autocobrança para suprir as demandas e desejos dos outros. É raro ouvir “você pode ser um grande músico, médico, arquiteto, empresário ou líder”, quando você é um menino preto. Na verdade, muitas vezes não existe nem a expectativa de um diploma, e com isso, são colocados numa caixinha onde eles só podem encontrar sucesso a partir de habilidades atreladas ao porte físico.

Em outubro de 2023 viralizou um vídeo no TikTok e Instagram, onde o microinfluenciador digital carioca conhecido como TH Break pergunta a um grupo de meninos negros qual eram os seus sonhos. O ponto alto do vídeo é quando uma das crianças fala “o meu sonho é entregar gás ou pizza”. O intuito da postagem é fazer rir. A maioria dos comentários fazem chacota da resposta do menino, são poucas as que percebem o problema social e pontuam a falta de representatividade.

“Pra quem vem de favela, não morrer ou entrar para o tráfico já é muita coisa. O sonho dele é lindo! Em outras palavras, ele sonha em ter um trabalho digno que o faça conquistar as coisas”, comentou um internauta no vídeo postado em outra página de humor. “Por mais jovens pretos sonhando com o direito de ser um cidadão de bem”, completou.

A falta de perspectiva de crescer para alcançar uma posição onde possam ser considerados “bem sucedidos” não é por acaso. Os exemplos que esses jovens têm são de trabalhadores operários na base da pirâmide hierárquica montada pelo capitalismo, enquanto crianças brancas enxergam mais facilmente a possibilidade de alcançarem altas posições nos locais de trabalho.

A atriz estadunidense Viola Davis falou certa vez que a representação importa porque nós precisamos de uma manifestação física dos nossos sonhos para saber que eles são tangíveis. Já a frase da poetisa Yrsa Daley-Ward: “Viver sem reflexo por tanto tempo pode fazer você se questionar se você realmente existe”, presente no filme Black Is King produzido pela cantora Beyoncé, faz refletir sobre essa escassez de representatividade positiva para todo povo negro e isso fica claro na fala do menino carioca que viralizou nas redes sociais.

No Brasil, a profissionalização do futebol passou a ser vista como uma alternativa de crescimento financeiro para pessoas pretas e pobres, já que em outras áreas não se viam tantas oportunidades. No filme nacional “Marte Um, é possível perceber como famílias periféricas e negras ainda depositam nos filhos os sonhos de ascensão social através do esporte.

A produção exibe a dificuldade que crianças pretas enfrentam quando almejam seguir profissões como astronauta ou cientista, por exemplo. Na película, Deivinho representa uma infância quase roubada de si, e focada em treinamentos e anos de preparação, por causa de uma visão única de perspectiva de vida voltada para a incerteza de uma carreira de sucesso.

Para os homens negros também não existem espaços para sonhar com outras carreiras além das “coisas de homem”, até porque é esperado desses indivíduos, a masculinidade viril e tóxica em tudo que eles fazem. Não é atoa que ainda hoje não é incomum ver manchetes noticiando que um homem negro conseguiu notoriedade como bailarino, por exemplo.

Nas universidades, a pouca representatividade também chama a atenção. Segundo o IBGE, mesmo que 56,1% da população brasileira se identifique como negra (pretas ou pardas), elas são minoria nas faculdades (48,3%). A disparidade de representação é ainda mais clara quando percebe-se que pessoas negras se esforçam duas vezes mais para ter o mesmo reconhecimento que pessoas brancas quando chegam ao mercado de trabalho.

Jovens que se enquadram nos padrões estéticos de um grupo mais representado política e midiaticamente conseguem se enxergar com maior facilidade em cargos de chefia, enquanto jovens negros ainda enfrentam pautas como a evasão escolar, que não é novidade, e continua atrapalhando possíveis futuros brilhantes.

No final das contas, é difícil sonhar com o desconhecido, com uma realidade com a qual não nos identificamos ainda, no entanto, jovens talentos negros podem e vão ocupar cada vez mais espaços de prestígio, seja no futebol ou não. Mas o caminho ainda é longo, pois o Brasil, acostumado a ver pretos como subordinados, ainda não está preparado para vê-los de cabeças erguidas, decidindo seus próprios futuros.

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